Ansel Adams, um dos maiores mestres da fotografia que já tivemos, escreveu que “a fotografia de paisagem é o teste supremo para o fotógrafo e, frequentemente, seu maior desapontamento”. Para entendermos tal afirmação, devemos lembrar, inicialmente, que quando estamos diante de uma paisagem, vivemos essa experiência em três dimensões, pois assim enxergamos o mundo, bem como através de outros sentidos pois, além da visão, também interagimos através da audição, do olfato, do tato e, em alguns casos, do paladar. Além disso, temos a capacidade natural de nos emocionar diante da cena. Quando decidimos, então, fotografar a paisagem, temos a tarefa de transpor a imagem tridimensional e tudo o que ela nos representa, através de nossos sentidos, para o plano. Como, então, conseguir expressar adequadamente, em uma fotografia, a beleza da paisagem e as emoções que sentimos ao experimentá-la? Esse é, seguramente, o maior desafio da fotografia de paisagem.
O legado histórico e a tradição que herdamos de mestres como Edward Weston e Ansel Adams nos ensinam que a fotografia de paisagem está calcada em quatro fundamentos, a saber: uma ideia clara do que fotografar, o uso apurado da técnica, a escolha da luz adequada e a organização dos elementos no quadro fotográfico, isto é, a composição. É a conjugação desses fundamentos que permite a obtenção de fotografias de paisagem com grande impacto visual e emocional, como começaremos a discutir aseguir.
Ideia clara do que fotografar
O primeiro passo do planejamento da fotografia de paisagem consiste no desenvolvimento de uma ideia clara do que se deseja fotografar. Naturalmente, belas fotografias de paisagem já foram realizadas sem planejamento específico, sendo resultado de eventos fortuitos ou inesperados. Entretanto, um fotógrafo de paisagem comprometido não pode contar sempre com a sorte para obter belas imagens, mas deve amadurecer a temática a ser perseguida em sua próxima jornada fotográfica. Tomemos, como exemplo, Ansel Adams, que durante os anos em que se manteve um ativo e determinado fotógrafo de paisagem visitou, anualmente, o Parque Nacional Yosemite, nos Estados Unidos. Adams tinha uma visão clara do seu objetivo fotográfico: registrar a beleza monumental das florestas, montanhas, riachos e flora desse lugar, mostrando a natureza inabitada e sem a interferência da ação humana: imaculada, sublime e bela. Um ambientalista convicto, usou suas fotografias em prol da conservação não apenas daquele lugar mas também de outros parques nacionais americanos. Suas visitas frequentes ao Yosemite nos ensinam sobre sua determinação e paciência em escolher variados pontos de vistas, ângulos, perspectivas, condições de luz e épocas do ano para expressar, no filme, o encantamento daquele lugar.
Ter uma ideia clara do que fotografar, entretanto, não é uma tarefa fácil. A abundância de temas que está à disposição do fotógrafo de paisagem pode ofuscar sua visão e impedi-lo de se concentrar num tema por vez. Concentração é importante para que o fotógrafo possa se aprofundar na temática escolhida e conseguir extrair a essência da paisagem estudada, mostrando sua força e suas nuances a partir da percepção de sua topologia, explorando melhores ângulos de abordagem e buscando a harmonia entre os diversos planos da imagem. Uma ideia clara do que fotografar implica, também, na decisão sobre qual equipamento será necessário para expressá-la adequadamente. A escolha do ângulo de visão apropriado é fundamental para ajudar a contar a história da cena a ser fotografada, e esse é um aspecto muitas vezes despercebido pelo fotógrafo de paisagem iniciante. Uma ideia clara do que fotografar vai, portanto, ajudar no planejamento sobre comofotografar o tema e se preparar para isso.
Uso apurado da técnica
Edward Weston observou que “um fotógrafo aperfeiçoa sua técnica pela mesma razão que um pianista pratica: através do completo domínio da ferramenta escolhida ele pode melhor expressar o que tem a dizer”. O domínio da técnica deve ser compreendido pelo fotógrafo apenas como um meio de expressar no filme ou sensor digital a sua visão de cena, e não o objetivo fotográfico em si. Fotógrafos de paisagem, em seus primeiros passos, se frustram com a dificuldade em registrar a imagem tal como idealizada ou pré-visualizada e isso ocorre, em boa parte das vezes, porque os meios técnicos para tal façanha ainda não foram completamente dominados.
São muitos os desafios técnicos que a fotografia de paisagem apresenta e não está em questão revisá-los, um a um, aqui. Mas a obtenção de uma exposição com uma distribuição de tons bem equilibrada e a necessidade por grande nitidez, tipicamente requerida para a toda a extensão da imagem, se destacam como desafios particulares. A dificuldade em obter uma boa distribuição tonal reside no fato de que, em um conjunto grande de vezes, a cena se apresenta com uma latitude tonal muito maior do que aquela que pode ser registrada pelo filme ou sensor digital. Por isso, pode ser muito difícil registrar detalhes nas regiões mais claras e escuras da cena, simultaneamente. Quando a exposição é ajustada para registrar adequadamente as regiões claras, por exemplo, as regiões escuras podem ser registradas escuras demais, por vezes com perda de detalhes, e vice-versa. Em outras palavras, é como se a cena tivesse mais informações do que a capacidade do filme ou sensor de armazená-las. Esse é um problema antigo na fotografia de paisagem e uma técnica para eliminá-lo, ou pelo menos minimizá-lo, envolve a utilização de filtros graduados de densidade neutra (esse tópico será tratado em outro post).
O segundo problema técnico mais importante na fotografia de paisagem é a obtenção de imagens com grande nitidez. A tradição clássica desse ramo da fotografia nos ensina que a imagem deve ter grande nitidez, distribuída desde o primeiro plano até o plano de fundo da imagem. Isso acontece porque fotógrafos de paisagem contam histórias com suas fotografias, narrando visualmente a cena através de seu elementos mais importantes, daí a necessidade dos detalhes. Os pioneiros dessa modalidade usaram câmeras de grande-formato com o intuito de registrar minuciosamente os detalhes da cena através da utilização de aberturas muito pequenas, de modo a estender a profundidade de campo desde o primeiro plano até o infinito. Tripés eram acessórios indispensáveis para estabilizar a câmera, permitir ajustes finos na composição da imagem e, assim, alcançar os objetivos traçados. Embora muitos fotógrafos de paisagem contemporâneos ainda continuem usando o grande-formato, a maior parte das imagens é obtida com a utilização de sistemas digitais médio-formato ou pequeno-formato full-frame. Apesar dos avanços tecnológicos no campo dos sistemas de auto-foco e estabilização da imagem, disponíveis hoje em dia, a obtenção de grande profundidade de campo nas imagens de paisagem ainda requer o domínio de conceitos como a distância hiperfocal e a utilização de tripés e cabos de disparo remoto, especialmente em condições de luz suave, como é o caso do nascer e pôr do sol.
A paisagem como inspiração
Quando um fotógrafo de paisagem adquire o entendimento e domínio dos quatro fundamentos descritos acima, um universo de oportunidades fotográficas se abre. Como numa sinfonia, em que todos os instrumentos musicais devem ser tocados com maestria, simultânea e harmonicamente, para o sucesso pleno da apresentação, uma fotografia de paisagem vai encontrar seu clímax quando uma idéia clara for desenvolvida a partir de uma técnica apurada, usando uma condição de luz adequada com a ajuda da uma composição bem resolvida e que permita expressar, estética e/ou emocionalmente, a visão artística do fotógrafo.
A paisagem continua sendo um dos gêneros mais populares da fotografia. A primeira fotografia foi de uma paisagem, quando Joseph Nichephore Niépce, após anos de busca na tentativa de criar imagens permanentes com a luz, fotografou, em 1827, uma vista da janela de seu estúdio, no segundo andar de sua propriedade rural na França. Após a invenção da fotografia, gerações e mais gerações de fotógrafos se aventuraram pelo mundo, por seus cantos mais longínquos e remotos, escalando montanhas, atravessando oceanos, vencendo geleiras, cruzando os continentes e suas cidades a fim de registrar a paisagem, tanto natural e selvagem, num resgate visual de onde viemos, como artificial e urbana, resultado da transformação da natureza conduzida pela mão do homem. O espírito de exploração move o fotógrafo de paisagem, que está sempre à busca de novos horizontes, novas vistas, novas interpretações de um mundo em constante mudança. Os fundamentos descritos acima nortearam grandes mestres desse gênero fotográfico ao longo dos quase dois séculos da fotografia e podem, seguramente, continuar a serviço das novas gerações.
No próximo post, abordaremos a escolha da luz adequada e a composição da imagem na fotografia de paisagem.
Originalmente publicado em: Revista Photo Magazine, número 37, 2011, páginas 78-81, mídia impressa.