Na primeira parte desse artigo (Photo Magazine, edição 37), discutimos a importância da pré-visualização da imagem na fotografia de paisagem, interpretada na forma de uma ideia clara do que fotografar e do uso de uma técnica apurada para atingir esse objetivo. Esses dois fundamentos norteiam a definição do que será fotografado e de como isso será feito, pelo menos parcialmente. Isso se deve porque, como em qualquer outro gênero da fotografia, dois fundamentos adicionais, a saber, a escolha do tipo de luz a ser utilizada e a composição de imagem, também devem receber atenção muito cuidadosa do fotógrafo.
A escolha da luz adequada para retratar uma cena é uma tarefa que move artistas visuais desde a pintura clássica. Efeitos de luz e sombra foram dramaticamente aperfeiçoados durante o Renascimento. A obra do mestre Ticiano (Século XVI) serve como exemplo dessa busca, bem como a pintura clássica da paisagem dos mestres Claude Lorrain e Nicolas Poussin (Século XVII), pioneiros em retratar a natureza como uma manifestação do sublime. Na fotografia clássica de paisagem da primeira metade do Século XX, capitaneada pelos mestres Edward Weston e Ansel Adams, a luz é usada para revelar forma na paisagem e lhe dar atributos transcendentais, mas não sem a ajuda de um arranjo de elementos no quadro fotográfico que lhes confiram força visual. Assim, luz e composição da imagem são os dois fundamentos discutidos na segunda parte desse artigo.
Escolha da luz adequada
A luz é o ingrediente básico de uma fotografia e suas qualidades devem ser plenamente percebidas pelo fotógrafo de paisagem. Como fotógrafos, julgamos a luz em termos de sua intensidade, cor, contraste e direção. A intensidade da luz diz respeito à sua abundância: a luz do sol ao meio-dia é muito mais intensa que a luz do sol no final do dia, e incrivelmente mais intensa que a luz de uma lua cheia. Para o fotógrafo, em geral, quanto mais luz, melhor. Entretanto, para o fotógrafo de paisagem, são as condições de luz mais suave, como no nascer ou pôr do sol, portanto de pouca intensidade, que conferem resultados mais dramáticos à fotografia. A cor de uma fonte luz, ou mais especificamente sua temperatura da cor, é outro parâmetro de grande importância para a fotografia de paisagem. A luz branca do sol, ao meio-dia, ganha tons azulados nas sombras, ou alaranjados no início e no final do dia, e a câmera pode se ajustar automaticamente a essas mudanças. Entretanto, nem sempre os ajustes automáticos compreendem bem o tipo de luz sendo derramado na paisagem e a imagem pode ser gerada com um desequilíbrio de cores. O fotógrafo digital que usa o formato RAW de captura da imagem tem a grande vantagem de realizar esse balanceamento de cores facilmente a posteriori, atividade conhecida como ajuste do balanço de branco, durante o processamento do arquivo com os dados originais da imagem em um softwarede edição apropriado. Para quem fotografa exclusivamente no formato JPEG, é bastante conveniente ajustar o balanço de branco para a opção desejada no ato da exposição da cena.
O contraste de luz diz respeito à forma como os raios luminosos incidem sobre um objeto. Quando o fazem a partir do mesmo ângulo, temos uma situação de elevado contraste, ao contrário da situação em que os raios luminosos atingem o assunto a partir de variados ângulos, como no caso da luz difusa de um dia nublado, que cria uma situação de baixo contraste. O contraste de luz é uma propriedade muito explorada pelo fotógrafo de paisagem, especialmente quando associado a outra característica da luz: sua direção. Das quatro possíveis direções da luz, a saber, topo, frontal, traseira e lateral, é essa última aquela que tem o maior potencial para revelar forma no assunto fotografado. A luz lateral tem a capacidade de descortinar a textura da paisagem, promovendo o aparecimento de sombras longas que realçam e induzem uma noção de volume (forma) e profundidade na paisagem, sendo, assim, a predileta entre os fotógrafos desse gênero. Dessa forma, a utilização de uma luz suave e direcional (como no nascer e pôr do sol) é um dos maiores segredos da fotografia de paisagem, e fotografar nessas condições exige do fotógrafo pré-visualização da cena e planejamento cuidadoso, já que essa condição de luz pode durar muito pouco tempo durante o dia, especialmente quando próximo a regiões equatoriais.
Deve-se ressaltar que a fotografia de paisagem também se beneficia bastante de outras condições de luz como, por exemplo, a luz traseira, muito indicada para a realização de fotografias com ênfase no registro de contornos e silhuetas da paisagem. Outro exemplo é a utilização de luz difusa, observada antes do nascer e após o pôr do sol, quando a paisagem experimenta um espetáculo de mudança de cores no céu que dura muito pouco, apresentando desde tons quentes a tons frios e vice-versa, dependendo da hora do dia. Particularmente, após o pôr do sol em um ambiente urbano, quando a noite começa a cair, o fotógrafo de paisagem tem a oportunidade de conjugar luz natural, cada vez menos intensa, com luz artificial, da cidade que se acende, podendo obter fotografias no estilo lusco-fusco visualmente muito cativantes.
Composição da imagem
A composição da imagem pode ser entendida como um processo de simplificação. Diferentemente de um pintor, que inicia sua obra a partir de uma tela em branco e vai, aos poucos, adicionando elementos para criar uma imagem final, o fotógrafo de paisagem começa com um mundo cheio de detalhes, informação e desordem. Seu grande desafio será, assim, decidir sobre o que eliminar da cena ao fotografá-la e, ainda mais importante, quando parar de eliminar. O escritor e aviador francês Antoine de Saint-Exupéry disse que “um designersabe que alcançou a perfeição não quando não tem mais nada a adicionar, mas quando não há mais nada a retirar”. Buscar a simplicidade na composição da imagem na fotografia de paisagem, entretanto, não significa torná-la simplista. Ao contrário, a simplicidade para o fotógrafo deve ser entendida como a tarefa de mostrar a essência da paisagem sem a presença de elementos que possam criar distrações indesejadas e privar a imagem de harmonia.
A busca por uma composição bem resolvida, poderosa em sua simplicidade, é alcançada quando o fotógrafo se torna fluente na linguagem visual da fotografia, do mesmo modo como o poeta o faz com as palavras, o músico com as notas musicais ou o chefcom os ingredientes culinários. Para a fotografia, o vocabulário visual se baseia nos chamados elementos do design, que incluem, por exemplo, a linha, em todas as suas manifestações (horizontais, verticais, diagonais e curvilíneas), o contorno, a cor, a textura, a luz (já discutida acima) e a forma. A conjugação desses elementos se dá através dos princípios do design, que incluem as noções de equilíbrio, proporção, ritmo, ênfase e unidade, por exemplo.
Está fora do escopo desse artigo fazer uma apresentação detalhada dos elementos e princípios do design, mas é importante dizer que a composição na fotografia de paisagem está fortemente baseada nesses conceitos. Rios e riachos podem ser usados como linhas condutoras do olhar; a linha do horizonte pode trazer uma sensação de calma e segurança à imagem; a luz lateral e suave do pôr do sol pode ajudar a revelar o volume das montanhas e a textura da paisagem; postes de iluminação e prédios altos, numa metrópole, podem servir para introduzir uma noção de força e poder; o contraste de cores de flores vermelhas num campo verde pode fazer aquelas saltarem visualmente; os detalhes de formações rochosas podem ser usados para criar padrões que se repetem; o registro do movimento da água ou das nuvens, numa longa exposição, pode associar atributos etéreos à imagem. Dominar esse vocabulário visual significa ser capaz de transpor para o plano fotográfico a essência da paisagem, enfatizando apenas aquilo que cativa, emociona e inspira.
Para evoluir na composição da imagem, o fotógrafo de paisagem deve ter o espírito aberto para uma jornada de aprendizado contínuo. Os erros deverão se transformar em incentivo para a busca da composição perfeita. Revisitar uma determinada locação, por exemplo, faz parte da rotina de um fotógrafo de paisagem perseverante. Os acertos, por outro lado, servirão para justificar seu empenho. Com a prática, o fotógrafo não precisará mais realizar a tradução simultânea do vernáculo visual para poder perceber seus significados, pois isso fará parte de sua própria expressão artística. Assim como no caso de um bom vinho, a composição tende a melhorar com o passar dos anos, de muita prática.
Fotografar é preciso
Respeitosamente, esse artigo pretende ajudar a renovar o interesse pela fotografia de paisagem no Brasil. Em nosso País, observamos a oferta de poucos cursos voltados exclusivamente para a paisagem, um gênero distinto e seminal da fotografia. A fotografia de paisagem vai além da fotografia de natureza, pois se estende através das fronteiras urbanas e pode adentrar no universo construído e registrar a forma como o homem transforma o meio-ambiente. Os quatro fundamentos apresentados aqui (ideia clara do que fotografar, uso de técnica apurada, busca da luz perfeita e esmero na composição da imagem) são os alicerces do curso “Fotografia de Paisagem: do Planejamento à Pós-Produção”, iniciado no Ateliê da Imagem, no Rio de Janeiro, em 2010. A formação de novas gerações de fotógrafos de paisagem, aptos para a documentação e interpretação artística da rica paisagem brasileira – vibrante e incrivelmente variada, pode ajudar a registrar seus principais atributos, sua transformação e chamar a atenção para a necessidade de sua conservação.
Originalmente publicado em: Revista Photo Magazine, número 40, 2011, mídia impressa.