Uma Questão de Perspectiva

Talvez perspectiva seja um dos conceitos mais mal interpretados em fotografia, e isso acontece porque esse assunto é usualmente misturado de maneira inapropriada com temas relacionados às distâncias focais de objetivas fotográficas e à noção de ângulo de visão, e também porque o próprio significado do termo seja frequentemente ignorado.

Perspectiva diz respeito ao modo como objetos tridimensionais são registrados no plano. Incorporar uma noção de tridimensionalidade, profundidade e distância relativa entre objetos em uma imagem fotográfica, que é definida por um plano, por natureza, requer o entendimento de como perspectiva pode ser obtida a partir da localização da câmera quando uma fotografia é realizada.  De modo simplificado, a noção de perspectiva pode ser incorporada em uma imagem observando que, à medida que um objeto se torna mais distante, i) seu tamanho aparente diminui, ii) suas cores se tornam menos saturadas, ficando mais azuladas ou acinzentadas, sendo esse efeito chamado de perspectiva aérea, iii) e também observando que linhas ou planos paralelos na cena real aparentam convergir gradualmente a distância na imagem, sendo esse efeito é chamado de perspectiva linear.

Em outras palavras, a perspectiva define como objetos irão aparecer para o olho baseando-se nas suas posições e distâncias na cena original. Embora tenha sido criada antes do Renascimento, foi durante esse período riquíssimo das artes (Séculos XIV a XVI) que a perspectiva foi devidamente desenvolvida e praticada através de um conjunto coerente de regras e teorias. Giotto de Bondone (c. 1270-1337) foi um dos primeiros mestres renascentistas a utilizar a técnica da perspectiva linear, depois aperfeiçoada por Filippo Brunelleschi (1377-1446) e Leon Battista Alberti (1404-1472). Dessa técnica, emerge o conceito de ponto de fuga, obtido quando linhas paralelas aparentam se encontrar em um ponto da imagem, tipicamente, no seu horizonte, mas não restrito ao mesmo. A perspectiva aérea foi desenvolvida por Leonardo da Vinci (1452-1519), tendo sido ele próprio quem cunhou esse termo. No caso da pintura, o controle de cor e tons também é responsável pela introdução de profundidade à imagem final.

Exemplo de perspectiva linear, com linhas paralelas aparentando convergir no infinito. Rota 66, próximo a Gallup, Novo México, EUA, Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 24mm, f/22, ISO 100, 1/8s.

 

Figura 2. Exemplo de perspectiva aérea, com cores menos saturadas no plano de fundo. Parque Nacional de Yosemite, Califórnia, EUA. Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 70mm, f/11, ISO 100, 1/4s.

A perspectiva obtida em uma imagem fotográfica depende, fundamentalmente, da posição onde a câmera é localizada e da distância da mesma para o assunto fotografado, sendo esse ponto chamado de centro da perspectiva ou ponto de vista, não sendo influenciada pala distância focal da lente utilizada. Esse conceito será demonstrado através de alguns exemplos práticos.

ALTERAÇÃO DE PERSPECTIVA EM UMA FOTOGRAFIA

A Figura 3 ilustra a transformação da cena quando aproximamos a câmera a um objeto em particular, nesse exemplo, o tronco de uma árvore no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, com o Pão de Açúcar no plano de fundo. As duas fotografias foram realizadas com a mesmas câmera e distância focal e, portanto, ambas as fotografias apresentam o mesmo ângulo de visão (ver box). Na imagem 3A, observamos a cena sendo registrada de maneira a contextualizar, pelo menos moderadamente, a árvore em seu ambiente; vemos, como plano de fundo, a montanha do Pão de Açúcar. A imagem 3B foi obtida movendo-se a câmera para bem próxima do tronco da árvore. Observamos como o tronco da árvore ganha volume no quadro fotográfico, significativamente, apesar de a montanha, ao fundo, parecer não ter sido influenciada pela aproximação da câmera, dado que estava bastante distante da mesma. Assim, enfatizou-se a árvore em relação ao plano de fundo, e também foi introduzida uma noção mais pronunciada de profundidade à imagem. Na fotografia 3A, tem-se uma visão mais completa da paisagem, enquanto na fotografia 4B o tronco é segregado do plano de fundo. O efeito de perspectiva foi introduzido pela aproximação da câmera, dado que a distância focal foi mantida fixa. A aproximação fez o tronco crescer na imagem, alterando a relação de tamanhos entre o mesmo e a montanha.

Figura 3A: Distanciamento: mover a câmera de lugar, mantendo fixa a distância focal, influencia diretamente a perspectiva da imagem final. Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 24mm, f/22, ISO 400, 1/50s.

 

Figura 3B: Aproximação: aqui, novamente, mover a câmera de lugar, mantendo fixa a distância focal, influencia diretamente a perspectiva da imagem final. Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 24mm, f/22, ISO 400, 1/50s.

Consideremos, agora, as fotografias mostradas na Figura 4. Nesse caso, fotografou-se a partir da mesma posição da câmera mas utilizando-se distâncias focais diferentes. O cenário envolve o Monumento Estácio de Sá, também no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro. Não se deve esperar alteração de perspectiva tampouco da relação de tamanhos entre os elementos presentes na cena, dado que a câmera permaneceu fixada na mesma posição. A diferença entre as imagens 4A e 4B está apenas no ângulo de visão fornecido pelas distâncias focais utilizadas em ambas as fotografias, já que a câmera utilizada foi a mesma (portanto, com o mesmo de sensor). Podemos interpretar a imagem 4B, realizada com uma distância focal maior (menor ângulo de visão), como um pedaço ou recorte da imagem 4A. Para confirmarmos isso, um recorte digital da imagem 5A foi realizado de maneira que os elementos resultantes coincidissem com aqueles apresentados na imagem 5B, sendo a imagem recortada chamada de 4C. Comparando-se as imagens 4B e 4C, observa-se que, de fato, ambas registraram a cena com a mesma perspectiva, sendo mantidos inalterados os tamanhos e posições relativos dos elementos presentes na composição. Esse exemplo reforça o conceito de que a perspectiva é função apenas da localização da câmera e de sua distância ao assunto fotografado e que a distância focal utilizada não altera a perspectiva da imagem.

Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 24mm, f/16, ISO 400, 1/125s.

 

Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 70mm, f/16, ISO 400, 1/125s.

 

Detalhe (corte) da Figura 4A.

O efeito de mudança simultânea de distância focal e posição da câmera é mostrado na Figura 5. Nesse caso, a cena é fotografada com distâncias focais diferentes (uma mais curta e outra mais longa) e a câmera é reposicionada para produzir, na medida do possível, a mesma composição da cena. Nesse exemplo, a bicicleta serve como objeto de referência no enquadramento. A imagem 5A foi obtida com uma distância focal curta e, nesse caso, a câmera foi posicionada bem próxima ao elemento do primeiro plano, a bicicleta. Devido à grande proximidade física entre a câmera e a fonte, obtém-se uma perspectiva que aparenta exagerar o tamanho da bicicleta e adiciona uma sensação pronunciada de profundidade à cena. Já na imagem 5B, com a bicicleta fotografada a distância com uma distância focal mais longa, obtemos o conhecido “achatamento” dos planos, diminuindo ou quase eliminando a sensação de profundidade na imagem. É importante reforçar que as perspectivas observadas nas na imagens 5A e 5B são resultado apenas da posição da câmera e não da distância focal utilizada para produzi-las.

Figura 5A: Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 24mm, f/22, ISO 100, 1/4s.

 

Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, Nikon D800, Nikkor 24-70mm em 70mm, f/22, ISO 100, 0,4s.

Como consequência dos estudos apresentados acima, percebe-se que a distância focal de uma objetiva não desempenha papel direto algum na construção da perspectiva numa imagem fotográfica, mas, sim, altera fortemente o ângulo de visão segundo o qual o fotógrafo interpreta a cena. Porém, pode-se destacar que grande parte do mal entendido que cerca esse assunto está explicado pelo fato de que, munido de uma objetiva grande-angular, por exemplo, o fotógrafo é convidado, e às vezes até mesmo intimado, pela cena à sua frente, a chegar mais perto da mesma e incluir um primeiro plano e lhe dar destaque. Essa aproximação física, e não a natureza grande-angular da objetiva, desempenha o papel de alterar a perspectiva final. Com o mesmo tipo de argumentação, percebe-se que, quando um fotógrafo está munido de uma objetiva de distância focal longa, o mesmo está naturalmente afastado do assunto a ser fotografado, de maneira que, a essa distância, será introduzido uma perspectiva diminuída de senso de profundidade, com a distância focal longa em si não desempenhando papel algum nesse resultado.

DISTÂNCIA CORRETA DE VISUALIZAÇÃO

Será que existe uma distância “correta” para que a imagem ampliada possa ser apreciada de forma que a perspectiva determinada pelo fotógrafo no ato da composição fotográfica seja, de fato, percebida apropriadamente?

A literatura técnica desse assunto ensina que, para que a perspectiva correta seja percebida, isto é, aquela segundo a qual o fotógrafo compôs sua obra, a imagem deverá ser visualizada a uma distância igual ao resultado da multiplicação da distância focal utilizada e o fator de ampliação utilizado. Por exemplo, considere-se que o arquivo digital obtido em uma câmera com sensor full-frameseja ampliado e impresso em um papel de tamanho 30cmx20cm. Nesse caso, a ampliação é de 8,3 vezes, aproximadamente (isto é, 300mm/36mm=8,3, tomando-se o lado maior como referência). Se o fotógrafo tiver utilizado uma lente de distância focal igual a 50mm, como ilustração, então a distância correta para visualizar essa impressão seria de 42cm, aproximadamente (isto é, 8,3 x 50mm ≈420mm ou 42cm). Se a imagem impressa for apreciada a uma distância maior ou menor do que essa, então, a mesma será percebida com uma perspectiva diferente daquela determinada pelo fotógrafo originalmente.

Possivelmente, o conceito acima poderá causar alguma surpresa ou até mesmo estranheza por parte do leitor que ainda não tenha sido estimulado ou apresentado ao mesmo. Mas, de fato, deve-se mesmo seguir o rigor da teoria da perspectiva para se apreciar e/ou se emocionar com uma fotografia? A resposta é, felizmente, um não. Mas o conceito serve de guia para ilustrar a característica de que, por exemplo, fotografias realizadas com objetivas grande-angulares sempre aparentam perspectivas bastante exageradas e, efetivamente, mais dramatizadas usualmente do que aquela segundo a qual o fotógrafo percebeu a cena. Vejamos isso com um exemplo. Se, na ampliação proposta no parágrafo anterior a objetiva utilizada tivesse uma distância focal igual a 14mm, em vez de 50mm, então a distância correta de visualização seria de, aproximadamente, 12cm (isto é, 8,3 x 14mm ≈120mm ou 12cm), o que seria impossível ou bastante desconfortável para a maioria dos seres humanos. Portanto, ao visualizarmos a imagem a partir de uma distância maior do que a teoricamente correta, uma alteração aparente da perspectiva é introduzida, exagerando ainda mais o tamanho do elemento do primeiro plano, mas isso não é necessariamente ruim, como no gênero da fotografia de paisagem, por exemplo.

COMENTÁRIOS FINAIS

É tarefa do fotógrafo determinar a perspectiva desejada para interpretar a cena, escolhendo então a posição e a distância que câmera deverá ser localizada e, por fim, a lente com uma distância focal que resulte num ângulo de visão que esteja de acordo com a pré-visualização da fotografia. Através da prática, o fotógrafo conseguirá incorporar os conceitos acima ao seu fluxo de trabalho, à medida que as relações entre distância focal, ângulo de visão, formato do filme ou sensor e perspectiva se tornem mais bem compreendidas.

PARA SABER MAIS

  • ADAMS, A., 1980, The Camera, Little Brown.
  • LONDON, B., STONE, J., UPTON, J. , 2011, Photography, Prentice Hall.
  • JOHNSON JR., C., 2010, Science for the Curious Photographer, A. K. Peters.
  • KINGSLAKE, R., Optics in Photography, 1992, Spie Optical Engineering Press.

Texto originalmente publicado na revista Fotografe Melhor, n. 241, 2016: http://www.europadigital.com.br/fotografe-melhor/241

 

Related Images:

This entry was posted in Técnica and tagged , , , , , .